Semana Tartarugas até la embaixo - Desvendando os personagens - Dia 2


Não é de hoje que John escreve sobre personagens doentes, problemáticos ou com algum tipo de vício, mas para mim, Green se superou ao dar à luz à Aza Holmes, uma vítima do transtorno obsessivo compulsivo.

Para quem não sabe, o próprio autor padece dessa doença desde criança e, portanto, comentou sobre o quanto foi difícil para ele escrever Tartarugas até lá embaixo, que levou 6 anos para ficar pronto.

No post de hoje, da Semana Especial Tartarugas até lá embaixo, nós vamos desvendar melhor alguns dos personagens do livro. Mas CUIDADO, pode haver alguns spoilers por aqui.

AZA HOLMES: 

Aza está longe de ser uma adolescente qualquer. Por baixo de sua aparência ordinária, encontra-se uma jovem profundamente ansiosa e com pensamentos obsessivos. Aza morre de medo de contrair doenças que podem levá-la ao óbito, e tem constantes dúvidas sobre quem ela é. Isso porque não se considera dona do seu corpo e de sua mente. Sabendo que o nosso organismo é formado por milhões de micróbios e bactérias, Aza se sente uma hospedeira de milhares de parasitas que seriam responsáveis por fazer tudo acontecer e por mandarem nela. Para Aza é extremamente apavorante se dar conta de que o livre arbítrio não existe de fato. Ela acaba sendo forçada a pensar o que não quer e constantemente se vê impelida a colocar esses pensamentos invasores em prática, mesmo sabendo que são insanos. Como quando bebeu diversas vezes álcool em gel depois de beijar Davis, ou nas vezes em que limpava e trocava incessantemente o band-aid do seu ferimento no dedo por ter certeza de estar infeccionado.

Viver assim é exaustivo e só de vivenciar a realidade de Aza fiquei meio pirada. Quando Aza compartilhava conosco a sua condição, conseguia ter empatia e perceber o quão difícil é estar aprisionada dentro de si mesma, desesperada. Contudo, quando Daisy a criticava por estar sempre alheia à realidade é que me dava conta do quanto a limitação de Aza a tornava egocêntrica e individualista aos olhos dos demais.

Para quem está familiarizado com a escrita de Green, sabe que em todos os seus textos há referências acerca de sua vida, easter eggs, piadas internas e cultura geek. Em Tartarugas até lá embaixo isso não poderia faltar. Aqui John se utilizou do sobrenome da personagem (Holmes) não só por ser um grande fã de Sherlock, mas também para deixar claro que o seu TOC o torna um péssimo investigador, já que tanto ele quanto Aza são completamente incapazes de desvendar o mundo real por estarem tão mergulhados dentro de si mesmos. E, levando em conta tamanha dificuldade, se torna louvável testemunhar Aza desvendar tal mistério da narrativa ao final, demonstrando a sua clara tentativa de se enquadrar e de melhorar.

Aza também tem uma grande paixão, Harold, que era o carro do seu falecido pai, a quem ela passou tratar como se fosse uma pessoa. Afora isso, Holmes é uma menina muito estudiosa, que sonha em fazer faculdade e ter uma família, só não tem ideia de como isso vai acontecer.

DAISY: 

Daisy é uma menina cheia de luz, alegre, otimista, com muitos planos e bastante trabalhadora. Isso por si só nos faz questionar o que ela viu em Aza e sobre como é possível ambas serem amigas. Nenhuma das duas sabe explicar, só sabem que se amam. Talvez Daisy seja para a Aza a dose de realidade que ela precisa. Talvez Aza seja para Daisy algo sólido no qual ela pode se amparar, já que sua vida nunca foi fácil. Ao contrário da amiga que vive reclamando de seus problemas, mas que tem tudo o que precisa; Daisy vem de uma família humilde, com poucas condições financeiras. Além de dividir o quarto com a irmã e depender sempre de carona, precisa trabalhar num local que detesta para ganhar alguns dólares por dia.

Por isso que Daisy pirou com a possibilidade de ganhar 100 mil dólares. Nunca na vida ela veria tanto dinheiro como aquele e, apesar de não conseguir resolver 100% da sua vida, saberia que as coisas poderiam melhorar.

Daisy é uma garota também muito descolada e independente, daquelas que a gente taxaria como a popular da escola e impossível de alcançar, mas não, ela é super acessível, e nerd. Pois é, aí está uma das quebras de estereótipo apresentadas por John. Daisy não é só fã de Star Wars como também é escritora de fanfics sobre o Chewbacca. Sua carreira como escritora está em ascensão e suas histórias se tornam cada vez mais famosas.

Daisy se recente por Aza nunca ler seus textos, mas quando a amiga o faz, descobre Aylala, uma personagem detestável que foi totalmente inspirada em Holmes, algo que acaba por abalar a amizade entre as duas.

DAVIS JUNIOR:

Davis é um garoto, filho de um multimilionário, que tem uma vida entediante em meio a diversos funcionários e a uma casa gigante com direito a campo de golfe. Como muitos meninos ricos, Davis dá valor ao que não tem, e se recente pela morte da mãe e pela eterna ausência do pai.

Quando o pai foge, Davis se sente mais sozinho do que nunca. Além disso, sobre seus ombros recai a responsabilidade de cuidar de Noah, seu irmão mais novo, que passa a sobreviver meio que em estado catatônico, só jogando videogame, ou tentando dar uma de bad boy no colégio para extravasar a sua raiva por se sentir abandonado.

Davis sabe que não conseguirá ajudar o irmão. Também tem ciência de que seu pai não vai voltar. E, para piorar tudo, tem noção de que, assim que seu pai for declarado morto, seja legalmente, seja por realmente descobrirem o pior, toda a sua fortuna irá para uma tuatara. Isso mesmo! Para a tuatara de estimação do pai, que se chama Tua. A tuatara é uma espécie de lagarto pré-histórico que vive por mais de 150 anos e que possui uma condição genética interessantíssima. Davis Pai aposta nisso para descobrir o segredo da longevidade. Justamente por isso decide deixar em testamento a sua fortuna para a instituição que irá cuidar e fazer experimentos e estudos no bicho.

***

Apesar de conter diversos personagens interessantes, destacaria Aza, Daisy e Holmes como os principais. 

Com Aza eu tive uma relação de amor e ódio. Como comentei na resenha, senti muito estranhamento em relação à menina, e raiva por algumas de suas atitudes. Mas ao mesmo tempo, fiquei fascinada sobre o funcionamento de sua cabeça e pensamentos, que estão sempre se espiralando e a sufocando. 

Daisy me encantou de imediato por ser tão moleca e cheia de garra, e Davis me mostrou que não importa o quanto de dinheiro temos, continuamos não sendo os senhores dos nossos destinos e a felicidade não é uma certeza matemática.

Em suma, com tantos assuntos interessantes trabalhados por meio desses personagens podemos dizer que Tartarugas até lá embaixo nos ensina a dar valor a cada instante e a cada vitória dos nossos dias.

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