Resenha - O papel de parede amarelo

Sinopse: "Uma mulher fragilizada emocionalmente é internada, pelo próprio marido, em uma espécie de retiro terapêutico em um quarto revestido por um obscuro e assustador papel de parede amarelo. Por anos, desde a sua publicação, o livro foi considerado um assustador conto de terror, com diversas adaptações para o cinema, a última em 2012. No entanto, devido a trajetória da autora e a novas releitura, é hoje considerado um relato pungente sobre o processo de enlouquecimento de uma mulher devido à maneira infantilizada e machista com que era tratada pela família e pela sociedade."
O papel de parede amarelo é um conto escrito por Charlotte Perkins Gilman que foi publicado originalmente em 1892, com um conteúdo um tanto quanto polêmico já que, na época, escrever sobre pessoas perturbadas era considerado algo bastante “perigoso”. Explico: no final do século XIX, ocorreu uma tendência literária em que as heroínas não poderiam ser retratadas como mulheres problemáticas. Quaisquer transtornos que elas viessem a ter deveriam ser ocultados da escrita. Exatamente por esse motivo que O papel de parede amarelo ficou à margem do mercado literário durante muitos anos, sendo redescoberto na década de 1970. Atualmente, o texto está ganhando força justamente porque é possível interpretá-lo como um conto feminista e também porque sua leitura remete a diversas reflexões e debates sobre essa temática (ainda bem!). 

O papel de parede amarelo inicia com a mudança de um casal para uma casa antiga no campo. John, o marido, é médico e acredita que sua esposa está muito doente, sofrendo de uma angústia que a consome dia após dia. O esposo, portanto, decide que eles devem se estabelecer temporariamente neste novo local, pois a tranquilidade da pradaria auxiliará na recuperação da esposa.  Narrado em primeira pessoa, pela mulher, o leitor percebe que existe certa insegurança nas palavras desta personagem. Ela crê que está doente, mas preferiria se restabelecer através de trabalho adequado e convívio social. Seu marido, no entanto, assegura aos amigos e parentes de que não há nada grave, que se trata apenas de uma depressão nervosa passageira e que ela deve fazer o maior repouso possível. 

John não permite que ela saia de casa, não gosta que ela escreva, não quer que ela tenha companhia de outras pessoas, quer que ela “esvazie a sua mente” e pede para que a mulher fique repousando em um quarto infantil cujo papel de parede é de um amarelo cansativo, desagradável e possui um padrão incompreensível. A esposa não gosta do quarto e não suporta ficar observando aquele papel de parede amarelo. Ela insiste com John, pedindo que o casal ocupe outro cômodo, no entanto, ele decide que aquele local é o mais adequado para ela.  

"Não gosto nem um pouco do nosso quarto. Queria um no térreo, que desse para a varanda, rosas por toda a janela e cortinas de chintz à moda antiga! Mas John não quis nem ouvir falar do assunto." 

A partir desse momento, o leitor vai acompanhando a degradação psicológica da protagonista. Conforme o tempo passa, a personagem sente-se cada vez mais consumida pelos seus pensamentos e pelo estado sufocante em que ela se encontra. O marido contribui para que a mulher se sinta mais oprimida já que ele a infantiliza: conversa com a sua esposa como se ela fosse uma criança, usa palavras como “menina”, “pobrezinha” e parece não levar muito a sério os acontecimentos nem os pedidos da mulher.  

"Pobrezinha!”, disse John, abraçando-me com força. “Pode ficar doente o quanto quiser! Mas agora vamos dormir, para podermos aproveitar as horas de sol. Falaremos sobre isso pela manhã!”
“Então você não quer ir embora?”, perguntei, triste. (...)
“Estou falando sério, querida, você está melhor!”
“Talvez fisicamente...” comecei, mas logo me interrompi, porque ele se endireitou e lançou-me um olhar tão severo e repreensivo que não pude dizer mais uma palavra sequer."

O diário que ela mantém em segredo é seu único amigo, a quem ela pode confiar suas preocupações, seus conflitos pessoais, suas percepções relacionadas ao próprio marido e sua condição de mulher sufocada. Pouco a pouco, a protagonista vai revelando ao leitor os seus mais profundos pensamentos e, como que em um delírio, vai dialogando com as imagens que sua mente constrói a partir da observação incessante do papel de parede amarelo. E, esse papel de parede amarelo, que tanto contribuía para o seu confinamento, talvez seja a grande saída, a sua grande chance de libertação... 

O papel de parede amarelo é um livro que nos ilude, pois ele é curto, de leitura rápida, mas as reflexões decorrentes dele são bastante complexas. Esse marido que tanto insiste numa possível doença psicológica da mulher – que pode ser visto como histeria, loucura, ou depressão... – reforça a ideia de que ela é dependente, submissa e controlada pelo homem. O leitor se vê diante de duas possibilidades: uma narradora doente que acredita que seu marido está preocupado com a sua melhora ou uma narradora resignada, que está ficando louca porque não consegue se libertar do marido opressor. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. 

Na verdade, Gilman instiga o leitor a refletir sobre o papel da mulher na sociedade do século XIX e nos dias de hoje, já que essa discussão é extremamente atual. Há quem não perceba essas nuances no enredo de Gilman e acredite que a trama seja apenas sobre a loucura da protagonista, considerando a história como um conto de terror. O leitor mais atento, porém, irá compreender que, independente das intenções de John, as diferenças de gênero estão presentes de forma ostensiva em cada página, sendo a identificação dessas distinções o grande tema a ser discutido. 

Apesar da escrita simples, O papel de parede amarelo apresenta uma narrativa densa, acompanhada por um material de apoio excelente, bastante esclarecedor quanto às possibilidades de interpretação. Após a leitura do conto e das reflexões suscitadas, entendemos que muitas conquistas relacionadas aos direitos da mulher já foram alcançadas desde a sua primeira publicação, contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a nossa sociedade consiga estabelecer e respeitar a igualdade de gêneros. É exatamente por esse motivo que considero O papel de parede amarelo é uma obra importantíssima para aquelas pessoas que têm interesse em iniciar leituras sobre a emancipação e os direitos das mulheres. 

O Papel de Parede Amarelo - Charlotte Perkins Gilman
Editora José Olympio
112 páginas
Comprar: Amazon / Saraiva 
Nota 5

3 comentários

  1. Oi Ana, tudo bem? Desde a primeira vez que eu vi esse livro eu soube que teria que ler. Um livro, pelo que me parece, com um material de qualidade e com tema que todos deveriam ler. Adorei a resenha.
    Beijos
    Quanto Mais Livros Melhor

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  2. Oi Ana!

    Eu já conhecia o livro por causa de um post que vi em um dos blogs que sempre comento. Gostei muito da resenha e o adicionei na minha lista de desejados.
    O Enredo parece ser mais dramático, e isso me cativa. Espero gostar tanto quanto vc!

    Bjo bjo^^

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  3. Eu já tinha visto este livro e desde aquele dia ele entrou na minha lista de desejados, adoro esses tipos de temas, livros que nos faz pensar e refletir.

    Adorei a resenha e me deixou mais curiosa para lê-lo.

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