Resenha - O Navio das Noivas

Sinopse: "Austrália, 1946. É terminada a Segunda Guerra Mundial, chega o momento de retomar a vida e apostar novamente no amor. Mais de seiscentas mulheres embarcam em um navio com destino a Inglaterra para encontrar os soldados ingleses com quem se casaram durante o conflito. Em Sydney, Austrália, quatro mulheres com personalidades fortes embarcam em uma extraordinária viagem a bordo do HMS Victoria, um porta-aviões que as levará, junto de outras noivas, armas, aeronaves e mil oficiais da Marinha, até a distante Inglaterra. As regras no navio são rígidas, mas o destino que reuniu todos ali, homens e mulheres atravessando mares, será implacável ao entrelaçar e modificar para sempre suas vidas. Enquanto desbravam oceanos, os antigos amores e as promessas do passado parecem memórias distantes. Ao longo da viagem de seis semanas — apesar de permeada por medos, incertezas e esperanças — amizades são formadas, mistérios são revelados, destinos são selados e o felizes para sempre de outrora não é mais a garantia do futuro que foi planejado. Com personagens únicas e uma narrativa tocante, Jojo Moyes conta uma história inesquecível que captura perfeitamente o espírito romântico e de aventura desse período da História, destacando a bravura de inúmeras mulheres que arriscaram tudo em busca de um sonho. Os livros de Jojo Moyes publicados pela Intrínseca já venderam mais de 800 mil exemplares no Brasil. ''O navio das noivas'' foi inspirado na história da avó da autora, que fez a mesma travessia relatada no romance para reencontrar o marido no período pós-guerra, e cada capítulo traz citações não ficcionais de esposas e oficiais que viajaram nesses navios. “Jojo Moyes sabe criar uma boa trama, com personagens tão verossímeis que parecem saltar das páginas.” – USA Today. “A rainha das histórias emocionantes. Uma mestre da narrativa.” – Elle (Reino Unido)"

Em 1946, após o término da segunda guerra mundial, a Marinha Real finalizou a etapa do repatriamento das esposas de guerra, aquelas mulheres e meninas que haviam se casado com oficiais ingleses em serviço no exterior e que os tinham visto apenas algumas vezes, o suficiente para se apaixonarem perdidamente e idealizarem um futuro romântico juntos.

A maioria dessas esposas deixadas para trás seguiram para o seu novo destino em navios de transporte de tropas que foram transformados em cruzeiros de luxo para atenderem às suas necessidades femininas, no entanto, cerca de seiscentas e cinquenta e cinco australianas fizeram essa travessia a bordo do porta aviões HMS Victoria.

Elas tiveram a companhia de mais de mil e cem homens, além de dezenove aviões, em uma viagem que durou aproximadamente seis semanas. Para comportar a nova tripulação, modificações foram feitas na embarcação decrépita. Os antigos elevadores foram transformados em novos dormitórios onde beliches foram instalados e um salão de beleza foi construído. Além disso, diariamente eram oferecidos cursos de pintura, corte e costura, filmes eram transmitidos em um cinema improvisado e capelão do local ministrava palestras ensinando àquelas senhoras a como serem boas companheiras para os seus esposos.

Tudo foi friamente calculado para que nada desse errado durante o percurso, mas como já previa o Comandante Highfield, basta juntar centenas de mulheres para que o caos se instaure rapidamente, e é claro que não foi diferente no Victoria.

A histeria coletiva já iniciou no momento em que elas embarcaram e perceberam o que estavam prestes a fazer. Enquanto umas demonstravam felicidade, outras caíam aos prantos, dizendo se sentir arrependidas e querendo voltar para casa, afinal, quem lhes garantia que teriam uma vida boa ao pisar na Inglaterra?

Margaret era uma delas. Grávida, quase dando à luz, não se conformava de ter deixado o pai sozinho com os irmãos mais novos, sendo que morria de medo de ser mal recebida pela sogra. Para amenizar o seu sofrimento, ela cometeu uma irregularidade muito grave ao levar a sua cachorrinha consigo, escondida. Tendo que lidar com suas mudanças temperamento em razão dos hormônios, com o excesso de peso e o estranhamento sentido em relação a si mesma, Maggie terá muito tempo para repensar acerca da gravidez, enquanto faz de tudo para deixar a sua cadelinha a salvo.

Jean, por sua vez, está realizada. Finalmente livre das garras da mãe, se sente muito à vontade em meio a tantos homens e não resiste em cantá-los, mesmo quando a sua pouca idade e a sua postura sedutora em demasia a coloca em risco.

Avice está horrorizada com o cenário à sua frente. Vinda de uma família nobre, jurava que viajaria em um dos cruzeiros de luxo e fez questão de levar todos os seus sapatos novos para causar inveja nas demais. Quando se viu presa em uma minúscula cabine com outras três caipiras e uma cachorra, enlouqueceu. Mas é claro que não deixaria transparecer sua desgraça aos pais, para quem escrevia com frequência inventando mil mentiras sobre a sua maravilhosa estadia em alto mar. Para quem estava com futuro traçado na ponta do lápis, quem diria que teria o tapete arrancado debaixo dos seus pés e que teria que contar com quem mais desprezou.

Já Frances escondia um grande segredo por trás de seu comportamento ilibado e reservado. Findada a guerra, estava indo para a Inglaterra em busca de um novo emprego, como enfermeira, e carregava na bagagem uma vasta experiência por conta dos campos de batalha. Mal sabia ela que o maior desafio que iria enfrentar seria ali, naquele navio, e que para recomeçar, teria que de uma vez por todas fazer as pazes com o passado.

Querem saber o que vai acontecer? Então leiam!

***

Narrado em terceira pessoa, O Navio das Noivas começa com um prólogo interessante, em que conhecemos uma senhora que está viajando nos dias atuais com a neta pela Índia e, em um dos passeios, se depara com a carcaça do Victoria e passa mal. É a partir desse incidente que a história nos é contada, sem sabermos sobre quem se trata e mergulhamos no ano de 1946.

Pouco a pouco vamos conhecendo cada personagem e seus dramas. Maggie é uma camponesa, Avice uma jovem endinheirada e esnobe, Jean uma menina maluca e inconsequente, e Frances uma respeitada e recatada enfermeira. Por mais que todas tenham sido bem escritas, dessa vez não me senti afeiçoada a nenhuma em específico, porque no fim quem roubou a minha atenção foi Victoria, o porta-aviões.

Fiquei hipnotizada pelas cenas em que acompanhávamos a sua rotina e seu funcionamento, bem como conhecíamos a sua trajetória, ganhos e perdas. Parecia que eu estava a bordo do navio, sentindo o calor escorrendo pelo corpo devido às altas temperaturas do local, ouvindo as incessantes instruções e anúncios no alto-falante, operando os gigantes motores na sala de máquinas ou curtindo noites de bebedeira e pôquer nas cabines dos subalternos. Palmas para as pesquisas feitas pela a autora, que fez seu tema de casa direitinho.

Outra coisa que me chamou muito a atenção foi o relacionamento que foi construído entre os homens e mulheres que foram obrigados a dividir o pequeno espaço por muitas semanas. De início, as jovens senhoras eram vistas com preconceito ou apenas como um objeto, uma carga a ser transportada. Ficou claro o quanto elas eram inferiorizadas, ridicularizadas, não levadas a sério e forçadas a serem submissas só por terem nascido com o sexo feminino.

Um dos personagens que mais me surpreendeu foi o Comandante, que não queria por nada aquelas esposas a bordo do seu navio. Com a convivência, ele passou a compreendê-las, a enxergar algumas coisas pelos seus olhos e a dar valor a cada uma delas, fazendo concessões que, para um lobo do mar, velho como ele, seriam inimagináveis.

Achei simplesmente surreal quando ele decidiu jogar todos os aviões no mar apenas para abrir espaço para que elas pudessem dormir com mais conforto no deque. Ou quando decidiu inventar um concurso de beleza para distraí-las, ou até mesmo quando se rendeu aos cuidados de Frances, a enfermeira, compartilhando momentos de intimidade e revelando segredos, algo antes impossível de se conceber.

Para alguns talvez a leitura seja maçante, justo nos detalhes que mais gostei, que foram as descrições a respeito da vida em alto mar. Mas posso dizer que este, com certeza, está no topo das minhas leituras favoritas escritas por Jojo. Não só por sua verossimilhança, mas também porque foi baseado em uma história real. Para quem não sabe, a avó da escritora enfrentou uma viagem como essa e foi uma das noivas repatriadas. Por conta disso, consegui sentir a emoção compartilhada entre vó e neta em cada frase que eu lia.

Enquanto eu rumava para o final, consegui suspeitar quem era a protagonista, ou seja, de quem eram aquelas memórias narradas no início, e acertei. Teve um momento que o meu coração quase saltou pela boca e fiquei muito apreensiva, com medo de que uma catástrofe acontecesse. Mas ainda bem que tudo acabou bem, mesmo que algumas das personagens não tenham tido o desfecho que sonharam.

Em suma, O Navio das Noivas nos mostra, de maneira delicada, profunda e inteligente, o quanto as guerras são capazes de transformar as pessoas, para o bem e para o mal, deixando muitas ocas por dentro, sem rumo e sem esperanças, após ter presenciado tantas tragédias. Além disso, toca num assunto delicado, que é a reaproximação de esposas e maridos que há tempos não se viam, e a dificuldade que é deixar para trás aqueles que tanto amamos. Nenhum de nós sabe como será o dia de amanhã, mas talvez aí esteja a beleza da vida, em se sonhar com o desconhecido e dar o melhor de nós, e acho que essa é uma das belas mensagens que a autora pode nos ensinar.

Entreguem-se a essa leitura, se emocionem e compartilhem de um período tão negro e conturbado que muitos ainda desconhecem. Aliás, quanto mais leio sobre as grandes guerras mais descubro que pouco sei.

"(...) as únicas pessoas que têm todas as respostas são as que nunca se defrontaram com as perguntas."

O Navio das Noivas - Jojo Moyes
Editora Intrínseca
385 páginas
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Nota 5