Sinopse: "À primeira vista, Jane Austen e Charlotte Brontë parecem radicalmente
opostas. Austen representa a elegância e a proporção neoclássica,
parodiando excessos literários e criticando as fraquezas humanas.
Brontë, por sua vez, imprime em sua escrita toda a paixão e a
extravagância do espírito romântico, não raro com forte influência da
fantasia.
Numa época em que a literatura popular era considerada perigosa para a
mente das jovens, a erudição precoce, a originalidade e a liberdade de
espírito aproximam essas duas autoras. Ambas tinham como personagens
centrais mulheres, sendo responsáveis pelos retratos mais marcantes de
lealdade e dedicação feminina da literatura inglesa. E ambas constroem
as suas heroínas como produtos do condicionamento feminino da época,
cujas expectativas sociais eram muito restritas.
Austen e Brontë tiveram uma produção bastante fértil na juventude,
reunida neste livro, a qual parece encontrar uma espécie de equilíbrio
no conflito entre a moral individual e social, criando heroínas
complexas que se destacam por sua coragem e independência."
Ah, a difícil tarefa de resenhar Austen e Brontë. Sim,
demorei muito tempo para conseguir redigir esta resenha, pois simplesmente nada
parece fazer jus ao trabalho dessas grandes escritoras clássicas que dispensam
qualquer apresentação.
Juvenília é uma coletânea dos trabalhos de Jane Austen e
Charlotte Brontë feitos durante a juventude. Os textos preservados desta época
de suas vidas são vastos, e o livro é composto de inúmeros contos, muitos deles
inacabados, organizados cronologicamente conforme o período em que foram
escritos.
Sou suspeita para falar sobre Jane Austen, porque a
considero fabulosa e, para mim, foi um deleite me familiarizar com a escrita da
autora desde seus trabalhos iniciais, aos 12 anos de idade. Sim, aos 12 anos a
pequena Jane já se aventurava na criação de contos, e sou obrigada a afirmar
que sua jovem mente já era afiada como uma navalha. Sua abundante vida social e
o acesso livre a biblioteca da família moldaram, desde cedo, uma mente
brilhantemente crítica, e isso é perceptível desde seu primeiro texto.
Infelizmente não terei como resenhar cada um dos contos
publicados neste exemplar, mas já adianto que a jovem Jane leva o leitor as
gargalhadas com certa frequência em suas histórias que, em sua grande maioria,
satirizam a sociedade na qual ela vivia, tanto por seus costumes sociais quanto
comportamentais e dogmas da época. A palavra “fanfarrona” me veio à mente
incontáveis vezes enquanto me divertia com mulheres que se tornavam melhores
amigas de infância do dia para a noite simplesmente pelo prazer de
bisbilhotarem as vidas uma da outra com maior facilidade ou saciar algum
interesse mútuo. As personagens de Austen retratam vícios e defeitos de forma
exagerada, porém, comumente desculpados pelos demais protagonistas conforme sua
classe social ou importância para aquela comunidade.
Em Jack e Alice, três irmãs são regidas por suas falhas de
caráter, que norteiam todas as suas escolhas e ações ao longo da trama. Elas se
resumem aos seus defeitos, enquanto a amiga Alice possui uma “pequena tendência
ao alcoolismo”, e em todas as cenas em que é descrita, encontra-se
terrivelmente embriagada. É desta forma que Jane brinca com a sociedade em que
vive, rindo dos julgamentos levianos e das personalidades cômicas das pessoas.
Durante o conto, em uma festa à fantasia, todos os convidados estão
vestidos de forma a refletir o traço mais marcante de suas personalidades e,
frequentemente, são descritos pelos demais convidados como sendo o oposto do
que verdadeiramente são. Charles, que usa uma máscara de sol, é o ser mais belo
e de maior ego de que já se ouviu falar, mas mostra-se medíocre em qualquer
qualidade que vá além da beleza física. Entretanto, entre os convidados, ele é
descrito como um homem muito inteligente e requintado, de grandes virtudes.
Charles é um arrebatador de corações, e todas as jovens se
rendem aos seus encantos, porém, nenhuma parece ser a escolhida já que ele
ludibria a todas na busca da mulher perfeita. Ele possui incontáveis dotes e
não pode esperar menos de sua amada, correto? Se o que ele tem a oferecer é a
perfeição, a perfeição ele tomará por companhia. Mas não preciso dizer que não
é exatamente assim que o conto acaba.
Para que vocês possam ter uma melhor ideia do tom sarcástico
de Austen, usarei uma citação deste mesmo texto, em que uma menina de 12 anos se
utiliza de toda sua acidez para criticar a sociedade que a cerca.
Quando da morte de uma das personagens principais e a dor
dos que ficaram, Austen cita:
"Entre os mais tristes de seus amigos estavam Lady Williams, a srta. Johnson e o duque; as duas primeiras tinham uma sincera afeição por ela, em particular Alice, que passara uma tarde inteira em sua companhia e jamais voltara a pensar nela. A tristeza do duque também podia ser facilmente explicada, já que ele perdera alguém por quem sentira a mais terna afeição e o mais sincero apreço nos últimos dez dias.”
Ele permaneceu em inabalável luto por duas semanas inteiras,
ao final das quais, elevou outra pretendente ao posto de duquesa. Querida e
sutil a Jane Austen, não?
Alguns contos são divididos em capítulos e contam histórias
completas, já outros são pequenos fragmentos de ideias, como uma pequena
premissa para uma história. Jane escrevia contos para presentear familiares e
amigos e, infelizmente, alguns destes estão inacabados, sem nomes para
personagens ou localidades, e outros poucos carecem de final. Apesar de mostrar
uma habilidade precoce em sua escrita, o leitor não deve analisar profundamente
o texto desta juvenília, que não possui enredos elaborados e arrebatadores, mas
sim um humor inteligente e crítico, cujos traços podem ser percebidos nas obras
posteriores e amplamente conhecidas da autora.
O conto As três irmãs é retratado através de cartas onde
Mary e suas irmãs, Sophy e Georgiana se correspondem com amigas distantes
discutindo o feliz, porém lastimoso, pedido de casamento estendido pelo senhor
Watts a mais velha das irmãs, Mary. De acordo com Mary, o sr. Watts, apesar de
abastado, é pouco dotado de beleza e um sovina que não aceita suas exigências
financeiras para uma vida confortável após o enlace. Inclinada a recusar a
união, Mary teme que o pretendente estenda o pedido para a irmã do meio, o que
resultaria em uma infinita vergonha para ela ter uma irmã mais nova casada
antes de si.
Sophy e Georgiana, por sua vez, percebendo a disposição da
irmã a recusar o pedido, tramam seu próprio plano, tentando convencê-la de que
obviamente aceitariam o pedido do senhor Watts, pois qual jovem não seria
imensamente feliz ao lado de tão agradável homem com tal fortuna a oferecer? E
através destas cartas o leitor acompanha a saga das três irmãs que não possuem
desejo algum por tal casamento, mas cujos costumes da época as tornam
inclinadas a viver uma vida infeliz de acordo com as regras.
Jane tem o poder de levar o leitor a uma época que não
vivemos e só conhecemos através de filme e histórias, plantando em nossa
imaginação um lado mais pitoresco e cotidiano dos costumes da época. Sem
dúvidas a metade dedicada a Jane Austen foi a que mais me conquistou nesta
juvenília, mas, mais uma vez, sou suspeita para falar.
***
Ao contrário de Jane Austen, Charlotte Brontë e seus irmãos
não foram criados em um ambiente feliz e repleto de vida social ativa. Enquanto
Austen possuía uma rotina apinhada de visitas às famílias vizinhas e chás com
as damas da cidade, os irmãos Brontë perderam a mãe bastante cedo e viviam
basicamente isolados em casa contando uns com os outros para fins de companhia.
As duas irmãs mais velhas de Charlotte também faleceram quando a escritora
estava adentrando a juventude, tornando a vida dos irmãos Brontë uma sucessão
de perdas e isolamento.
A juvenília de Charlotte foi escrita entre as idades de 13 e
23 anos e é composta basicamente dos contos sobre Angria, o mundo imaginário
que criou com seu irmão Branwell, inspirados nos soldados de brinquedo que ele
possuía. Como é de conhecimento geral, todos os irmãos Brontë escreviam, e o
sobrenome acabou se tornando mundialmente conhecido pelas magníficas obras que
representa.
De acordo com a introdução fornecida nesta juvenília, os
manuscritos sobre Angria são bastante extensos e não sofreram alterações ao
longo dos anos, tornando sua leitura um tanto trabalhosa. Em virtude disto, foi
realizada uma seleção deles baseada na recorrência de personagens que remontam
a história cronologicamente.
O primeiro conto retratado é a história de Os doze
aventureiros, que relata a viagem de doze homens gigantes da Bretanha e doze
homens da Gália, que indo para o país dos gênios, guerrearam por muitos anos
até retornarem aos seus lares. A história virou lenda, e muitos anos mais
tarde, o navio Invincible partiu da Inglaterra com doze homens valentes a
bordo. Ele navegava através das águas do Atlântico quando foi atingido por uma
forte tormenta, longa e terrível, que terminou por tirar os homens completamente
da proa de seu destino. Alguns dias depois, os homens avistaram terra firme do
convés.
O país encontrado era amplamente cultivado e produtivo.
Ficou claro para os marinheiros que aquela terra era habitada e não demorou
muito para que se deparassem com guerreiros armados vindo em sua direção. A
batalha foi difícil, entretanto, os ingleses venceram e, tendo o chefe do grupo
como refém, conseguiram barganhar sua hospitalidade naquelas terras através de
um acordo de paz.
Os colonizadores começaram a construir uma cidade para si, e
gênios acabaram surgindo e auxiliando-os na tarefa. Eles também afirmavam que Arthur
Wellesley, filho do duque de Wellington e um dos doze marinheiros que havia
desembarcado no mágico país de Ashantee, tornaria-se duque, derrotaria um
príncipe terrível e suas glórias seriam celebradas em todo o mundo. Entretanto,
assim como o vencido, ele morreria no exílio, mas teria uma vida de glórias.
Após um ataque do povo nativo à cidade recém-construída,
Arthur decide voltar para a Inglaterra com o objetivo de angariar reforços. Ele
demora muitos anos para retornar e seus homens já estão descrentes de seu regresso
quando Arthur atraca nas praias de Ashantee com uma frota e a pompa de um
duque. A profecia se cumpriu e a saga de Arthur é iniciada e, o filho do duque, se torna personagem
recorrente dos contos que se seguem.
Os contos se passam todos em Ashantee que, ao longo dos anos,
prospera e é batizada de Angria, cuja capital, Cidade de Vidro, é habitada por
uma alta sociedade. Fiquei um tanto surpresa com o conteúdo das histórias
selecionadas, pois, apesar de serem confusas em certos pontos, são muito bem
escritas e ambientadas em realidades fantásticas, diferentes das que o leitor
está acostumado nas obras mais conhecidas de Charlotte, porém, sempre com a
força do romance e da figura masculina presentes.
As histórias da autora possuem paixões, tragédias, fantasia
e intrigas. Penso se a fertilidade da mente de Charlotte seria um reflexo de
sua vida reclusa, onde ela tenha buscado em sua criatividade e nos livros da
biblioteca da família mundos de histórias sobre amores e batalhas épicas.
Certamente, é um novo olhar sobre a obra de Charlotte, mas, é claro, o drama
está lá, assim como as tempestades temperamentais sempre presentes nas obras
dos Brontë. Personagens fortes e com personalidade intensa são constantes em
seus textos.
Sugiro que o leitor
leia com atenção a introdução concedida à obra que, apesar de longa, é vital
para o melhor entendimento dos textos de Charlotte. Os nomes dos personagens
são constantemente modificados e apenas com as referências introdutórias pude
perceber que um determinado conto se tratava dos mesmos personagens e do mesmo
contexto de um conto anterior. Mas, exceto isso, as tramas de Charlotte são
muito bem constituídas e repletas de paixão e intensidade. Mais uma leitura
obrigatória para os fãs da autora.
***
Juvenília faz parte da coleção de clássicos da Penguin, o
que infelizmente resulta em uma edição não tão elaborada, com capa sem orelhas
e uma editoração bastante simples. Mas, mais uma vez, não é a apresentação que
chama tanto a atenção do leitor e sim o conteúdo, que nos brinda com um
conhecimento maior do desenvolvimento da escrita de dois grandes nomes da
literatura mundial. Os textos certamente compensam, apesar de eu sempre achar
que Jane e qualquer irmã Brontë mereçam edições lindas.
Agora, antes de encerrar, uma curiosidade que percebi ao
longo da leitura da biografia e da obra de Charlotte. Se vocês são fãs de
Instrumentos Mortais e As Peças Infernais, não se apavorem se começarem a perceber
incontáveis coincidências entre a vida e obra de Charlotte e os personagens e nomenclaturas do mundo Shadowhunter.
Confesso nunca ter lido nenhuma referência ao fato de Cassandra Clare ter se
inspirado ou ser fã de Charlotte Brontë, mas só o nome da segunda autora já dá
uma pista das incontáveis outras coincidências sobre Charlotte nas obras de
Cassandra. Se vocês têm conhecimento de alguma informação sobre estas
semelhanças, vou adorar saber!
Juvenília - Jane Austen e Charlotte Brontë
Editora Penguin e Companhia das Letras
460 páginas
Comprar: Saraiva




460 páginas
Comprar: Saraiva
Oi, Dany!
ResponderExcluirConfesso que ainda não tinha conhecimento de Juvenília.
Imagina, uma coletânea de contos de duas escritoras clássicas como estas!
Imperdível!
Agora, esta comparação entre os escritos de Charlotte Brontë e de Cassandra Clare, me deixaram surpresa e curiosa. Dá uma boa pesquisa, hein Dany?
Beijos!
http://fabi-expressoes.blogspot.com.br/
Oi Fabi!!
ExcluirImperdível MESMO, quando vi que seria lançado eu já saí correndo desesperada para garantir o meu. Quem é fã dos clássicos não pode perder.
Quanto a Cassandra, eu já sabia que ela era uma fã dos clássicos, tanto que baseia muito de suas obras em Dickens, mas ela rouba muitos detalhes da Charlotte, é bem interessante.
Beijão, querida!
Estudei sobre Jane Austen e Charlotte Brontë na faculdade e li algumas obras, não sabia desse livro Juvenília! Vou correr pra colocar no SKOOB e ler depois. Com certeza é muito bom.
ResponderExcluirMayaia certamente se você gosta das autoras não vai se arrepender!
ExcluirBeijão!